Por
Joana Borges
Em resposta aos vinte e
cinco anos da atual Constituição Federal brasileira, a reflexão quanto ao mais
importante acervo de leis, direitos e deveres do país se torna ainda mais
fundamental. Levando em consideração que é com base nesse documento que todo o
sistema nacional é organizado, nada mais digno seria do que pensar a
constituição de forma a resgatar seus códigos e, assim, analisar o resultado
obtido diante do poder que é atribuído a ela.
Sendo os objetos de
análise os artigos 5º e 6º da Constituição de 1988, elogiáveis
são as definições que os acompanham e, ainda, os itens que a partir do
parágrafo inicial se subdividem afim de tornar clara a legislação. De fato, os
direitos e deveres do cidadão brasileiro foram muito bem desenvolvidos no
desenrolar de ambos os artigos e, sobretudo aos olhos de um leigo, eles parecem
perfeitos. É colocado na “ponta do lápis” tudo a que um cidadão brasileiro tem
direito: liberdade, igualdade, propriedade... Tão bem escritos o foram que
quase dá para acreditar, se não fosse pela realidade que não nos deixa mentir.
Afinal, como ser livre
em um país em que o medo de ser assaltado, violentado, morto é parte
substancial do dia-a-dia do brasileiro? Liberdade não pode ser encarada como
livre arbítrio simplesmente. E mesmo que fosse, quantas milhares de vezes o
direito de escolha de alguém é violado todos os dias no Brasil? Os casos de
violência por razões homofóbicas são um exemplo claro da intolerância às
relações homoafetivas no Brasil e, portanto, à liberdade de alguém escolher
como parceiro(a) uma pessoa do mesmo sexo. Desse modo, de nada vale estar
escrito na constituição que temos o direito à liberdade se, na prática, esse
direito não nos é garantido em todo o seu significado, dimensão.
A questão homoafetiva
também pode ser analisada de forma a contradizer a noção de igualdade entre os
cidadãos brasileiros. Considerando que só em maio deste ano foi permitida a
união legal de pessoas do mesmo sexo de forma estendida a todos os estados da federação,
como dizer que todos os brasileiros são iguais? Se de fato fossem iguais no
quesito direitos e deveres, por que então uns têm direito de se casar e outros
não? Em um país que se considera laico e que possui em sua constituição a
igualdade como uma referência, o direito ao casamento civil entre pessoas do
mesmo sexo há muito deveria ter sido legalizado.
Ainda analisando o
fator da igualdade no Brasil, mas já fazendo uso de elementos do artigo sexto
da constituição, é importante pensar nas disparidades que cercam os gêneros,
feminino e masculino, e que põem em risco a tese da igualdade entre os cidadãos
brasileiros. Essas diferenciações são mais perceptíveis quando o objeto em
estudo é o próprio salário de homens e mulheres que, mesmo realizando tarefas
semelhantes, são sujeitos a receber salários diferentes. Dados como os da PNAD
2012 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) provam que as mulheres brasileiras
recebem em média 27,1% menos do que os homens, contrariando o entendimento de
igualdade de gêneros no Brasil e a proibição de diferença de salários por
motivo ligado ao sexo exposto no artigo 6º, parágrafo XXX da constituição.
Nesse caso,
especificamente, é notória a influência de valores culturais sobre a questão
salarial entre gêneros. O papel social que a mulher brasileira representou
durante toda sua existência, ou seja, de dona da casa, esposa e mãe, ainda não
se desvinculou da mulher do século vinte e um que, mesmo inserida no mercado de
trabalho e, muitas vezes, desempenhando função análoga a de homens dentro de
uma mesma empresa, ainda é sujeita a um salário inferior.
Nesse sentido, é
necessário que o governo crie políticas de fiscalização das empresas e, ainda,
desenvolva métodos de punição àquelas que não puderem justificar a distinção de
salários entre seus funcionários que não por motivo de gênero, cor, idade ou
estado civil. Ademais, o governo é, juntamente com a sociedade, responsável por,
mesmo que gradativamente, eliminar as mazelas históricas que afastam homens e
mulheres, brancos e negros; e que são responsáveis por muitas das injustiças
que cercam os brasileiros.
A constituição brasileira é clara e, pelo
menos superficialmente analisada, bastante completa. O foco do problema que
envolve o direitos e deveres sociais não está na forma como os artigos 5º e 6º
foram redigidos, mas no descumprimento das leis; de forma que estar na
constituição simplesmente não é garantia, sobretudo de direitos, para a maioria
dos cidadãos brasileiros. É preciso muito mais que legisladores; é preciso um
poder judiciário eficiente e instituições que tenham condição de cumprir o seu
dever, seja esse de salvar vidas ou mesmo de formar cidadãos menos
preconceituosos e mais honestos.